Hoje peguei um vôo que saiu atrasado por causa da neblina. Enquanto esperávamos meu filho perguntou se o céu deveria estar "de brigadeiro" para o avião decolar.
Acho bonitinho eles saberem o significado disso, mas é óbvio que qualquer criança depois que ouve uma expressão desta uma única vez na vida jamais se esquecerá dela. A idéia de um céu de brigadeiro é legal demais para ser ignorada.
Não filho, não precisa. Os aviões conseguem voar guiados por instrumentos, que é seguro também.
Voar com o céu azul, limpo, sem nenhum risco da visão ficar prejudicada é raro. Não dá para contar com as bençãos da natureza todos os dias. Foi necessário, então, inventar maneiras de decolar e pousar sem visibilidade nenhuma e, mesmo assim, realizar uma viagem sem trombadas. Foi preciso inventar computadores e GPS que inspirem confiança suficiente para a coisa funcionar num nível suportável de estresse.
E é importante também que nenhum Legacy cruze nosso caminho com os sinalizadores desligados.
Tudo isso de avião e instrumentos fez muito sentido para mim porque, nessa minha viagem, aconteceu algo que me fez sentir exatamente como um avião sem vizibilidade precisando de ajuda externa para avaliar seu desempenho. No meio da viagem apareceu do nada alguém que me disse: "Vai tranquila, seu trajeto está bom, sua altitude é correta e, acima de toda a neblina, o céu está azul.".
E este meu amigo surreal era um instrumento confiável. Um GPS guiado pelos satélites mais modernos.
Fiquei feliz da vida.
Ok, explico.
Existem situações em que conseguimos ter confiança suficiente em nós mesmos para dar conta dos desafios que a vida nos coloca. Nessas horas nosso céu parece estar azul e o dia limpo e lindo. Não precisamos da ajuda de ninguém para nos dizer como e o que fazer, já que a visibilidade dos nossos potenciais é ótima e nossa auto-confiança está perfeita. Só o conhecimento que possuimos e a nossa experiência prévia já dão conta do recado.
Eu tinha isso quando era professora. Nenhuma situação era assustadora a ponto de abalar meu poder junto à molecada. Todos os dias na pré-escola eram perfeitos e nenhuma turbulência era capaz de me deixar insegura. Nunca precisei de alguém para me dizer: "Você é uma boa professora.".
Eu sabia que era boa.
Entretanto, existem situações em que o céu está nublado, chuvoso e, prá piorar, temos que decolar no escuro.
Sabem do que estou falando?
Já aconteceu de você não ter a mais remota noção da sua capacidade? Já aconteceu de você entrar num terreno profissional, pessoal ou afetivo em que nada ao redor lhe parece familiar? E você fica que nem tonto tateando no escuro sem saber para onde ir?
Pois é. Eu me sinto assim algumas vezes.
É terrível.
A minha vontade é de fazer um pouso de emergência e liberar máscaras de oxigênio para a galera que deposita algum tipo de expectativa sobre mim.
É aterrorizante prosseguir num projeto sem uma única gota de auto-confiança.
Bom, é nessas horas que precisamos ter nossos queridos instrumentos que nos darão o feed-back necessário para prosseguirmos nossa empreitada. Gente que aparece para te elogiar, para te motivar, para te dizer que você está bem.
Ou não! Pode acontecer dos seus intrumentos surgirem para lhe mostrar algo que deva ser mudado, ajustar um detalhe fora do prumo ou para corrigir falhas que certamente serão sentidas lá na frente.
É uma delícia poder contar com nossos instrumentos.
Quando estamos deprimidos ou em crise é ótimo ter alguém que nos diz: "Você precisa largar seu emprego. Você deveria mudar de país. Você precisa urgentemente mudar sua vida." ou "Confie no seu sonho que ele te levará a um lugar seguro. Você tem talento, continue investindo na sua profissão."
Mas os instrumentos tem que ser confiáveis.
Sim, porque não é qualquer elogio que nos fazem soltar rojões, não é? E também não é qualquer crítica que devemos dar ouvidos.
Escolher bem nossos instrumentos é essencial para o sucesso da viagem.
Inicialmente teremos que analisar nosso histórico junto à pessoa que está nos avaliando.
Se é a sua mãe (que acha LINDO tudo o que você fez na vida) não vale. É um instrumento viciado. Uma pessoa muito próxima não tem o distanciamento suficiente para enxergar algo que você também não está vendo. Claro.
Se, ao contrário, seu instrumento é alguém que tem inveja da sua situação ou não conhece bulhufas do assunto, a opinião desta pessoa também não vale de nada. Tipo um padre que diz como você deve cuidar do seu casamento. Não entendo como isso pode ser possível.
Tem que ser alguém pragmático e desapegado de afetos. E inteligente. E experiente.
Tem que ser...
-SAUDAÇÕES VULCANAS |
Tive, por exemplo, alguns Spocks aqui no blog. Gente que não tem contato pessoal comigo, não tem nenhum interesse em me prestigiar, mas apareceram do nada para elogiar o que eu escrevo.
Legal demais.
E mais legal ainda quando estes vulcanos são especialistas em literatura, em humor bem trabalhado, em pensamentos inteligentes, em bom gosto musical ou possuem uma incrível experiência de vida.
Foi exatamente isso que aconteceu comigo há dois dias atrás.
Mas os instrumentos aqui no blog também me puxam a orelha e me colocam no rumo certo. E isso também é bom.
Há uma semana tive uma crise de insônia e escrevi um post horrível, de péssimo gosto, ainda hipnotizada com a história do "Do, a Deer, a female Deer" (maldito veado!!!).
No dia seguinte acordei arrependida e corri no computador para excluí-lo. Durante a madrugada, felizmente, houve apenas 9 acessos ao post, mas no meio dos poucos leitores que leram a minha bobagem tinha um comentário dizendo resumidamente: "Tire isso que você escreveu. Não está bom.".
Tirei.
E tiraria mesmo sem a opinião do anônimo leitor.
É uma delícia andar por aqui guiada por instrumentos, já que escrever nunca foi um céu de brigadeiro para mim.
Confio neles e sou humilde o suficiente para ouvir críticas.
Obrigada a todos os meus GPSs.
Cláudia, ando fazendo do seu Blog o meu manual. Hehehehe
ResponderExcluirÉ bom demais!!!Impressionante como cada texto, vem num momento mais acertado pra minha vida. =)
Quem dera se na vida real existisse um GPS capaz de identificar o melhor caminho, onde a certeza de uma escolha fosse identificada e a incerteza desta fosse descartada imediatamente...
As vezes a vida pede tanto da gente né?!
Acho que a grande dificuldade está em confiar em nosso GPS embutido! Ele (pra mim) não falha, não esmorece, nem tem segundas intenções, mas é preciso estar atento ao que ele diz e quando diz, já que nem sempre fala na hora que queremos e muito menos com a clareza que gostaríamos.
ResponderExcluirClau, posso estar errada, não entendo nada de psicologia, mas eu acredito que o GPS mãe pode sim ser válido, pois elas sabem ser duras quando a dureza é importante para nosso bem. Jamais vão opinar por inveja, por ressentimento, ou por outro tipo de sentimentos que descredenciariam gpss de pessoas que não te amam verdadeiramente.
ResponderExcluirBjs,
Lu