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sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Simples? Sim, please.


Minha mãe é professora de piano e eu cresci acostumada a ouvir o plimplimplim dos alunos sem nunca me antenar ao que eles tocavam. E isso é triste. Treinei os meus ouvidos para serem insensíveis à lindíssima evolução da aprendizagem musical. Na infância os meus amigos perguntavam:
-Como você consegue fazer a tarefa e ver TV com este barulho?
-Barulho? Que barulho? Não ouço nada.

Bom, mas outro dia eu estava na casa dos meus pais e fiz questão de ouvir uma aula. Atualmente penso que posso ficar sem a minha mãe e vou me arrepender por não ter apreciado ela dar aulas do jeito manso e excêntrico que só ela tem. O bom de ficar velha é que passamos a valorizar momentos assim, não exatamente por prazer, mas por pura nostalgia antecipada. O prazer veio depois.
Sentei num silêncio respeitoso alguns metros atrás da aluna e fiquei ouvindo ela tentando acertar um acorde da mão esquerda. Plimplompléééém, plimplimplóóómmm, sem sucesso. A moça estava desanimada tentando ler as bolinhas confusas da partitura quando minha mãe veio com a frase que mudou a minha vida:

-Está difícil? Se está difícil é porque não está certo. 

Simples assim.
Está difícil? Então não está certo.
Mas isso não é uma lição fácil para mim que cresci acreditando que a vida é, obviamente, complicada e lendo frases como estas abaixo:





Passei todos estes anos acreditando que a angústia era normal sem nunca ter me dado conta de que todas as vezes que acertei na vida... não teve sofrimento! Nem dúvida! Nem nenhum tipo de angústia!!  Nunca tinha percebido isso: o certo sempre foi fácil e o difícil sempre acabou se mostrando errado.
Pronto, a minha vida agora é outra. Incrível como uma frase dita na hora apropriada faz diferença. Diferença para mim, porque o momento estava tenso demais para que a aluna, naquela aula, se abrisse com tranquilidade a um conselho tão simples de uma senhora tão simplória. Talvez um dia a moça entenda isso. Talvez nunca.
Bendita hora que fui ouvir, despretensiosamente, a aula de piano da minha mãe.

Você quer prestar um concurso, mas não consegue se dedicar à rotina de estudos? Está estressada com os dias insanos que a vida exige de você? É noiva do cara que, apesar de te amar, ainda não sabe se quer ou não se comprometer?
Tenho uma ótima notícia para você: talvez nada disso seja certo. Talvez você não queira prestar concursos (nem todo mundo precisa passar em concursos, se você não sabe), talvez você esteja vivendo de um jeito errado no lugar errado e é bem possível que você esteja gastando muita energia com um relacionamento sem futuro. Agora sou uma romântica que acha que os amores não tem impedimentos financeiros, profissionais, filosóficos, temporais e nem geográficos. Tem impedimento? Então não está certo.
Tem sofrimento? Então não está certo.

Eu sei, eu sei, não precisam me falar. Conheço as dezenas (centenas?) de frustrações e anos despendidos para criarem uma lâmpada. Foi difícil. Conheço as pesquisas que suportam tentativas e erros até chegarem ao resultado ideal. Já ouvi falar dos ginastas que precisam repetir incansavelmente o mesmo salto até conquistarem uma medalha olímpica. Ah, e sei também que um casamento não é fácil e que engolir sapos faz parte da brincadeira. Não sou tão imatura a ponto de pregar aqui a vida mansa. Sei que não é assim.

Mas depois da fala mágica da minha mãe passei a acreditar que este tipo de gente só é persistente nas atividades que se dedicam porque, no fundo no fundo, sabem que estão no caminho certo.
Não certo para a ciência ou para a sociedade, certo para eles. E é certo porque estão realizados. Cansados, irritados, vá lá, mas em paz com a escolha deles na vida.
E daí a persistência não é sacrifício, é alegria, autorrealização, autossuperação (vocês não odeiam esta reforma ortográfica? eu odeio).
Claro que Thomas Edison não perderia tempo fazendo piruetas e Nadia Comaneci não suportaria passar anos em um laboratório. Exigir isso deles é maldade. E talvez seja maldade exigir que você termine o doutorado, insista no noivado, continue com a mesma rotina.

Você vai descobrir que é necessário deixar as coisas irem
embora simplesmente pelo fato delas serem pesadas. 


E a pergunta que não quer calar é: como saber se o meu caminho está errado ou se eu só preciso me dedicar mais a ele?

Hum, vejamos: você se sente violentado? Usado? Desperdiçado (desperdiçado é um ótimo parâmetro)? Seu corpo está em sofrimento evidente? Desenvolveu problemas emocionais nos últimos tempos? Não? Então é bem possível que o caminho esteja certo e você só precisa de paciência.
Mas se algum destes fatores te atormentam tenho o imenso prazer em contar que... tcharam... está tudo errado!! Você não é burro, nem incompetente, nem mal amado, nem preguiçoso. A culpa não é sua! Nem dos outros! Uhuu! Estavam todos só vivendo de um jeito errado.

Nickolas Sparks é um babaca (até aí nenhuma novidade). O povo do pilates é exagerado (e tudo aquilo é mentira porque pilates é, em geral, bem fácil e gostoso). A vida é simples e os sacrifícios só são válidos se são confortáveis.


Coco Chanel tinha razão.
Minha mãe teve razão: o acorde tem que ser confortável, ou não será bonito.
E este post, agora, também tem razão: a vida tem que ser confortável ou não valerá a pena.


sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Asas e raízes


Existe uma perda silenciosa e sutil acontecendo na elite econômica do Brasil e a sociedade um dia irá lamentar o prejuízo para o futuro da nação. Existe também um luto acometendo milhares de famílias. Existe um buraco, existe dor, mas ninguém fala sobre isso. Porque todos deveriam estar felizes.
E estão.
Mas estão sofrendo. 

Praticamente todos os amigos dos meus pais tem filhos saindo do Brasil para nunca mais voltar. A grande maioria dos meus amigos ou já saíram daqui, ou planejam sair ou sofrem a perda de um irmão que saiu. Fui outro dia em um churrasco onde os 3 casais presentes estavam correndo com o processo de imigração. Virou moda. Parece que é a única coisa certa a fazer e que, quem não faz, vai ficar para trás. Toda uma geração está saindo do país. O buraco é epidêmico, aparece em quase todas as famílias minimamente abastadas.
Não são um nem dois, são a enorme maioria, e meus pais estão incluídos nessa estatística. Os filhos ficam adultos e vão para outros lugares do mundo conquistar uma vida melhor. Com  mais oportunidades, melhores condições de trabalho, menos violência e, em geral, mais beleza. Sim, as cidades brasileiras são feias e deprimentes.
A insatisfação com o país está roubando os nossos médicos, nossos engenheiros, nossos pesquisadores, professores, dentre muitos. Mas, vejam bem, não são qualquer um! Estão saindo os melhores. A perda destes profissionais ainda não está sendo sentida, mas com certeza será a principal tragédia das próximas décadas aqui no Brasil. O preço por perder a elite cultural do país não será barato e toda a comunidade pagará por isso.

Mas além da perda intelectual, há, claro, uma outra ainda mais sofrida. Avós não vêem os netos crescendo, pais choram pelos filhos distantes, irmãos perdem a referência fraterna de um dia para o outro, priminhos se distanciam, amizades se desenroscam, e todos se vêem sozinhos e tristes. Aprender a lidar com o perda é a nova rotina dessas famílias brasileiras e, como todo luto, tem as suas fases: o drama da separação, o desespero sangrento que se assemelha às mais insuportáveis dores físicas, o vazio na rotina, a raiva de ter sido abandonado, a culpa por não conseguir ficar feliz por eles, o exercício diário de tentar se convencer que a tecnologia realmente aproxima as pessoas, a alegria diante das boas notícias vindas de lá e o êxtase nas raras visitas, seguidas sempre da dura realidade da falta. Mais uma vez.
Até que tudo deixa de doer e todos se acomodam na nova configuração familiar. Todo mundo, então volta a ser feliz e finge que superou a perda, mas isso nunca acontece.

O êxodo sempre existiu em todas as épocas e em todas as culturas (e em muitas espécies animais, óbvio), mas a realidade brasileira atual se assemelha, claro que guardando as devidas proporções, a uma guerra. Estatisticamente as perdas são incríveis.

Culpa da duríssima realidade política brasileira, culpa da violência sem controle, dos direitos civis negligenciados, etc e tal. Isso é evidente. Mas também isso tudo só acontece porque existe um tipo de pessoa que se arrisca na procura por uma vida diferente. Diferente e, em geral, boa. Eu ainda não ouvi falar de gente que foi e não se deu bem. Em geral a família toda, apesar óbvia da tristeza da perda, se deslumbra e morre de orgulho da lindíssima vida que os rebentos conquistam longe de todos. No fim acabam concordando que a mudança valeu a pena.

Mas existe também um outro tipo de jovem. Gente que se acostuma às intempéries do país e talvez por preguiça, por medo, ou por excesso de apego, não tem vontade de sair.
Eles não tem asas, tem raízes.



Há 7 anos eu sou psicóloga em uma cidade pequena. Pequena é exagero, ela é minúscula. E durante este tempo conheci dois tipos de jovens: os que amam morar aqui e os que odeiam. Os que amam são acomodados. Querem casar com alguém daqui, cuidar do negócio do pai ou trabalhar, por exemplo, na escola local até a aposentadoria. Não conhecem outros lugares e nem desejam. Não precisam.
Os que odeiam não vêem a hora de sair e trabalhar em algo que os leve para longe, fazer algo bem diferente do que os pais e os avós fizeram. Desejam ardentemente conhecer o mundo e se programam todos os dias para o grande voo. Eles precisam disso.
São duas raças de pessoas e durante todos estes anos eu admirei as duas. É ótimo ser feliz com o que você já tem e, ao mesmo tempo, é lindo ter ambições e correr atrás do que deseja. O problema todo é que existe uma glamourização dos desertores. A ousadia é supervalorizada e a repetição da história, vista como retrocesso. O rapaz que fica na roça do pai é visto pelos colegas como fraco e o que sai para tentar a vida em outro lugar, um conquistador.
Com isso a zona rural perde os jovens, a cidade perde bons profissionais e as famílias perdem os filhos.

Me dei conta de tudo isso quando li um texto de um amigo querido que há anos saiu do Brasil e, hoje em dia, vive muito bem nos Estados Unidos. E o texto diz assim:

"MORAR FORA...
Não é apenas aprender uma nova língua. Não é apenas caminhar por ruas diferentes ou conhecer pessoas e culturas diversificadas. Não é apenas o valor do dinheiro que muda. Não é apenas trabalhar em algo que você nunca faria no seu país. Não é apenas conquistar um diploma ou fazer um curso diferente. Morar fora não é só fazer amigos novos e colecionar fotos diferentes. Não é só ter horários malucos e ver sua rotina se transformar. Não é só aprender a se virar, lavar, passar, cozinhar. Não é só comer comidas diferentes, pagar suas contas e se preocupar com o aluguel. Não é só não ter que dar satisfações e ser dono do seu nariz. Não é só amar o novo, as mudanças e também sentir saudades de pessoas queridas e algumas coisas do seu país. Não é apenas já saber que é alguém do Brasil ligando quando toca seu celular e aparece numero privado. Não é só a distância. Não são apenas as novidades. Não é só uma nova vista ao abrir a janela. Morar fora é se conhecer muito mais... É amadurecer e ver um mundo de possibilidades a sua frente. É ver que é possível sim, fazer tudo aquilo que você sempre sonhou e que parecia tão surreal. É perceber que o mundo está na sua cara e você pode sim, conhecê-lo inteiro. É ver seus objetivos mudarem. É mudar de idéia. É colocar em prática. É ver sua mente se abrir muito mais, em todos os momentos. É se ver aberto para a vida. É não ter medo de arriscar. É aceitar desafios constantes. É se sentir na Terra do Nunca É querer voltar e não conseguir se imaginar no mesmo lugar. Morar em outro pais é se surpreender com você mesmo. É se descobrir e notar que na verdade, você não conhecia a fundo algo que sempre achou que conhecia muito bem: Você mesmo!
A Vida eh uma viagem...
Enjoy every single destination..."

Concordo com ele em tudo.
Claro.
Mas queria também lembrar que existe um outro tipo de gente. Gente que consegue conhecer a si mesmo ficando no mesmo lugar. Assumindo a empresa do pai, a fazenda do avô, a casa da família, e mantendo a mesmíssima tradição de séculos. Precisamos dizer para os nossos jovens que também é possível (e bonito) ser feliz sem precisar mudar. Chega de só incentivar o povo a sair.

Eu mesma sou uma representante dos preguiçosos. Ou dos medrosos. Ou dos apegados. Ou dos satisfeitos. Dêem o nome que quiserem. Já tive chance e possibilidade de sair do país. Eu queria? Não. Me arrependi? Não.
Vim hoje aqui dar o meu depoimento.
É possível ser feliz no Brasil, apesar de tudo. Não vamos apenas valorizar e invejar os que estão longe. Eu, por exemplo, hoje valorizo e invejo a minha cunhada que vive há décadas na mesma casa pequena numa rua perigosa e sem graça de uma cidade perigosa e sem graça do Brasil. Vive porque quer, já tem tem passaporte e dinheiro que permitem que ela vá para muitos outros países. Invejo porque ela é felicíssima ali e em momento algum reclama da vida. Invejo porque ela acha bacana criar o filho no bairro que os avós ajudaram a fundar quando chegaram da Itália. Valorizo porque ela cuida da avó com Alzheimer que foge pelas ruas e precisa ser lembrada de beber água para não desidratar.
Valorizo porque demonstrar carinho pela avó que a criou é importante para ela.
E assim ela se encontrou. 
No lugar onde sempre esteve.