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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Presente de grego

Uma adolescente morreu decorrente da bulimia que desenvolvia escondida dos pais. A mãe, arrasada, deu um depoimento impressionante ao dizer:
-Ela queria muito uma suíte. Um quarto lindo com um banheiro só para ela. Juntamos dinheiro e fizemos o impossível para deixá-la feliz. Mas o presente que demos para a nossa filha foi o que a matou.

Demorei para entender a lógica da coisa: a menina vomitava sozinha num lindo banheiro, amorosamente feito só para ela. Tinha todo o tempo do mundo para se desnutrir sem ser incomodada pelo resto da família, ignorantes ao drama da filha.

É claro que isso é uma explicação muito simplista (e ótima para redimir a mãe da culpa pela cegueira absurda em relação à garota), mas não deixa de ter um fundo de verdade.

Na casa da minha irmã isso, definitivamente, não aconteceria.
São 4 pessoas dividindo um único banheiro há 12 anos. Algo impensável para nós brasileiros acostumados com suítes, lavabos e banheiros especialmente decorados para as crianças.
Mas lá na Austrália a maioria das casas tem apenas um banheiro e minha irmã certamente acompanharia de perto o vômito constante de uma filha. Veria a sujeira no vaso. Perceberia a demora no banheiro. E a família inteira saberia se ela estava ou não menstruada, se ela estava ou não com diarréia...
A vida íntima não tem esconderijos quando a convivência é próxima e diária.

A partir daí me dei conta do tanto de pais que já perderam os filhos por, também, dar a eles privacidade e luxo.
E as intenções, lógico, são sempre as melhores.
Damos presentes aos nossos filhos sem perceber que, com isso, estamos tirando eles de nós.

Por exemplo: antigamente os meus pretendentes ligavam no telefone fixo da minha casa e tinham que se identificar com o meu pai ou minha mãe que, em geral, atendiam o telefone. Tinham que dizer o nome, deixar recado, etc.
Se depois da ligação eu sorrateiramente saia, eles ao menos tinham uma remota idéia de quem estava me acompanhando.
Eu era safada e escondia muita coisa, mas era impossível esconder absolutamente tudo dos meus pais!

Hoje os rapazes ligam para o celular que a garota ganhou no seu aniversário de 10 anos (ou até antes) e ninguém tem idéia de quem são eles. E muitas vezes nem é um inocente amiguinho da escola, como era na minha época.
Prá piorar elas podem ter conhecido o pretendente na... internet.
Quando eu era adolescente, nem que eu quisesse muito, eu não tinha chance de conhecer ninguém além do meu pequeno círculo de amigos. E eu nunca me comunicava com os meus conhecidos sem meus pais ouvirem a conversa já que a linha telefônica era uma só e ficava na sala.
Nunca tive telefone no quarto.
E nem TV.
E nem internet (óbvio).
E minha mãe trabalhava dentro de casa!!!
Mudanças sutis, mas que fazem uma diferença danada já que a vigilância era constante e bem maior.

Outro exemplo.
Sempre fui uma garota de cidade grande, mas um dia fui numa típica festa de uma cidadezinha do interior.
A coisa acontece assim: os pais e seus filhos adolescentes se arrumam num sábado a noite para a mesma festa! Vão juntos ao clube da cidade!!! Chegando lá eles se dividem. Tem o espaço dos jovens e o baile dos adultos. Cada um fica no seu pedaço.
Mas, se algum moleque brigar ou beber demais na festa, os pais (ou amigos dos pais) são logo avisados e descem na hora para ver o ocorrido e dar o devido sermão. E eles sempre conhecem os outros garotos que estão juntos com o filho inconsequente como TAMBÉM os pais deles!
Uma intimidade danada com o universo juvenil!
Eu, na época, achei isso maravilhoso!!!! Lembro que eu já tinha uns 19 anos e não acreditava que aquilo pudesse acontecer. Não conseguia imaginar sair numa balada e estar a 100 metros dos meus pais.
Hoje, aqui na cidade aonde moro as coisas também são assim. Falta privacidade, é verdade, e a fofoca é realmente chata.
Mas sobra convívio e familiaridade, que para criar adolescentes eu acredito ser essencial.

Hoje a grande maioria dos pais e mães trabalham fora o dia todo e hoje a internet está dentro do quarto das crianças abrindo janelas para o mundo, boas e ruins.
Hoje em dia entrar em contato com a família do adolescente não é mais um passo imprescidível para se chegar a ele.
Com isso, a realidade dos filhos está cada dia mais desconhecida dos pais.
No Japão existe um nome para o isolamento dentro do próprio quarto: Hikikomori.
E está crescendo a cada ano...
E a mudança arquitetônica dos lares acompanhou essa revolução familiar ou, pior, foi responsável por elas.
Os banheiros são privativos, cada filho com o seu quarto, vários pontos de internet e TV a cabo. A sala comum, onde em geral fica a TV maior, tem sido o lugar onde são feitas as refeições.
Pesquisas já nos disseram que adolescentes que não realizam as refeições na mesa com a família tem, estatisticamente, uma maior chance de se envolverem em problemas na escola e com drogas.

Aí fica sempre a mesma dúvida: os adolescentes ficam distantes porque seus pais não se importam com eles ou eles não se importam simplesmente porque cansaram de trazer os filhos para perto?
O que será que aconteceu no dia em que os pais olham para os adolescentes e pensam: aonde foi parar o meu filho?? Cadê a minha princesinha?

Uma história que ilustra bem a solução deste problema é da Violeta Pêra.
Era estranha, isolada, quieta, se escondia atrás do longo cabelo negro.
Mas, um dia, a família Incrível se uniu por uma causa comum e a presença da menina foi essencial para a resolução do problema.
Violeta se sentiu valorizada, amparada e incluída no grupo familiar.

Dica para criar filhos?
Lá vai: uma única TV em casa (e uma batalha constante pelo controle remoto), um único ponto de internet (e disputa acirrada pelas horas na web), o mínimo de banheiros possíveis (e a gritaria no corredor pedindo pressa), almoço e janta na mesa com todos presentes (e a gritaria antes do almoço para colocar todos na mesa), mãe ou pai meio período em casa (e menos dinheiro entrando no mês), casa pequena e crianças dividindo um único quarto (e a briga diária por causa da bagunça), levar e buscar filhos e os amigos nas festas (e aguentar a cara feia da molecada) e, por fim, celular só depois dos 18 anos (com os pais ouvindo chantagens emocionais dos filhos até lá).
Tá bom... ahã.

Dá preguiça só de pensar. Não é à toa que o povo prefere ter filhos "Hikikomori".

Vamos mesmo continuar cada vez mais longe dos nossos jovens.
Tãããão mais fácil criar filho com pouco dinheiro!

O clipe é meio estranho, mas a música é perfeita pra o assunto. Aliás, esta música é linda!


4 comentários:

  1. Isso serve pra todos os problemas de criação com filhos, MESMO! O principal a gente logo vê percebe que é o convívio, o interesse, incluir a criança na estrutura pra ela saber seu lugar e saber que ela TEM lugar na família, né? Tanta criança que tem família, mas não tem ou não sabe seu lugar nela :(

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  2. Tudo o que é simples se torna verdadeiro por que é tranquilo e acontece de forma muito natural. As convivências familiares representam a alma das pessoas... Por que não damos mais valores a coisas menos compráveis e mais estimáveis? às vezes tenho a impressão que nem temos mais opiniões e ideais mas sim palavras convenientemente ditas para não pedermos tempo e nem dinheiro. Uma pena!

    Amei teu estilo de escrever, teu blog e certamente vc deve ser uma profissional de psique não é?
    t+

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  3. Concordo com cada letra. Então eu não sou louca! Tem mais alguém que concorda comigo... ou se sou louca, pelo menos não sou a única hahahahaha

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  4. Tania De Filippis Pardisegunda-feira, outubro 17, 2011

    Perfeito! Esta semana estou fechando com marceneiro para fazer novo armário no quarto das "meninas". A briga entre eu e meu marido foi, fazer uma armário com nicho pra TV ou não. SEMPRE FUI contra e obvio que não vai ter TV no quarto delas, por exatamente os motivos que vc tão bem relatou. CELULAR?? Só se for aquele que lançaram nos states com 2 teclas (1 pra mommy e outro Daddy), sem teclado numérico. E o povo está achando loucura minha deixar minha bebê no mesmo quarto que a irmã de 3... gente! vão dormir no mesmo quarto até os 18 anos!! haha.. amei o post! Nara, vc não está louca!

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