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terça-feira, 15 de março de 2011

O tempo das raízes

Quando se corta uma árvore o toco sobra. Seco, marrom, sem vida. Pode servir de banco para as pernas cansadas, mas muita utilidade já não tem.


E quando pensamos que a vida ali chegou ao fim, eis que um broto ressurge de um verde tão tenro e alegre que imaginamos que algum pássaro deixou cair uma semente por lá e fez brotar uma nova planta.
Mas não. É a mesma árvore.

A senhora secular e gorda tombou. Todos pensaram que havia morrido de tão triste que foi seu fim. Arrancaram-lhe a madeira, seus galhos, suas folhas viraram adubo e não sobrou nenhum vestígio de que a vida voltaria a existir ali.

Mas as raízes permaneceram. E são essas raízes que trabalham secretamente por meses para nos surpreender com este novo formato da mesma árvore.


Uma criança renascendo das cicatrizes adultas.
E a árvore brota novamente. Não com as mesmas características, mas brota. É importante afirmar que brota.

Mas não para sempre. Existe um limite para isso acontecer. O eucalipto, por exemplo, brota apenas 3 vezes. Os baobás do Pequeno Príncipe eram mais insistentes, mas ele logo contratou um carneirinho para dar fim aos brotos que certamente desistiram.

Chega uma hora que as raízes entendem que o trabalho é infrutífero e decidem descansar. São sábias. Não ficam insistindo em algo que não é desejado por forças maiores.
E assim acontece conosco.
E é por isso que precisamos estar atentos a quatro coisas importantes:

· A confiança em nossas raízes

· A serenidade da espera

· O cuidado com o broto

· A fé


As raízes, no caso dos seres humanos podem vir de vários lados: 
  • família de origem: passar um tempo ao lado do pai, telefonar para a mãe, passar as férias na casa dos avós, viajar com os tios, encontrar os primos, rever amigos de infância; 
  • cultura ancestral e social: ver fotos antigas, museus, ir a um cemitério, conhecer mais sobre sua cidade e país, estudar línguas, danças circulares, yoga, tai chi, karatê... viver algo bem antigo!
  • interesses infantis e particulares: gostar de andar descalço, gostar de dormir de meia, gostar de passar creme nos pés, ler gibi, assistir Indiana Jones, ouvir Balão Mágico, voltar a dançar, comprar um patins, reler Monteiro Lobato.


Pode parecer ridículo, mas o que eu vejo é que isso mantém a alma viva num momento limítrofe, entre a vida e o desejo de morte.
Isabel Allende perdeu sua filha, Paula. A doença foi longa e a morte terrível. O luto foi duro, como todos os lutos de todas as mães. Mas sabem o que reconfortou Isabel? Arroz doce quente. O cheiro do leite, o calor do prato, o sabor doce, o cheiro de canela... tudo formava uma mistura que a remetia à infância e a acolhia. E Isabel se alimentou de arroz doce por muitas semanas. Até que o choro diminuiu. E ela conseguiu dormir um pouco.
E isso se chama respeito pelas raízes.
E é por isso que precisamos ter confiança na sabedoria das nossas raízes porque só elas sabem aonde buscar os nutrientes. Nossa razão não entende, mas as raízes sabem tudo. Elas conhecem os caminhos subterrâneos das nossas necessidades mais primitivas.

Entretanto, as raízes são velhas artesãs. São lentas. São zelosas.

Não gostam de pressa porque a alquimia da transformação não pode acontecer sob pressão.

Por isso, não forcem suas raízes a trabalharem mais rápido. Fazer renascer uma vida não é tão fácil quando alimentar uma existência normal e saudável. Não!! É preciso sugar mais, é preciso escolher os nutrientes certos, é preciso reconstruir a vida com ingredientes que há muitos tempo não são usados.

Não apressem suas raízes! Para quem vê de fora, um toco seco é apenas algo morto. Mas existe um trabalho sério e intenso sendo feito na escuridão.
Acredite nisso.
E quando o primeiro indício de vida nova começa a surgir, não recrimine e nem censure.

Quando um brotinho nasce de um tronco seco é preciso comemorar, não podar e nem sufocá-lo . Ele precisa respirar. Precisa saber que o mundo é bom e o futuro é garantido. Precisa ser regado, amado e contemplado.

Não se critique quando sentir que brota dentro de você desejos vivos e vibrantes. Não tenha vergonha de seus novos quereres, por mais tolos que eles possam parecer. Uma vidinha nova pode parecer estranha, desajeitada, tola. Mas é sua!

E não deixe que ninguém te critique também. Lembre-se: a responsabilidade pelo cuidado da sua nova existência é totalmente sua e é você que tem que defendê-la com unhas e dentes.
No livro “Comer, Rezar e Amar”, Liz passou por uma fase terrível e um belo dia acordou com um desejo novo e incontrolável: ir para a Itália aprender italiano. Prá que? Não importa. O novo desejo era esse. O broto tinha nascido e ela tava disposta a cuidar dele. E ela foi sábia o suficiente para obedecê-lo.


E por fim, a fé. A certeza absoluta de que as raízes estão trabalhando, de que o broto surgirá e que a vida será novamente bela.
Diferente, mas linda.

E o trabalho da fé é algo bastante particular, mas acredito ser fundamental para suportar a espera e sugar bem as profundezas da nossa essência

Boa sorte.

(este post foi encomenda de uma pessoa que eu nem conheço. leitora do blog)






10 comentários:

  1. Com certeza? Hmm...não sei, são tantos, mas este talvez seja o mais belo de todos!
    Lindo, querida, profundo e doce, belo e objetivo, certeiro e delicado.
    Amei.
    E, apesar de não ter sido escrito pra mim, poderia muito bem ter sido. Caiu como uma luva. Essa é a maravilha do compartilhar.
    Te espero que dia mesmo? 25? Quero ser a primeira, pelo menos a segunda, vai!, a saber da tal entrevista!! Isso aí, nega, alçar voos!!
    Yes, you can!!!!
    Muitas saudades, qtos desencontros! (mas sempre este encontro noturno...)
    Beijos, beijos, beijos.

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  2. Clau, que lindo texto, que lindas idéias, que idéias mais que belas, verdadeiras, profundas, salvadoras. Porque eu não sou só um tronco onde se apóiam os pés. Porque não sou só um banco feito de pau no meio do nada. Minha amiga, devastada por um casamento muito difícil, resolveu que ia aprender a andar de patins. Contratou um professor, foi lá, levou broncas, "alinha essa bunda!", caiu... Mas me disse que sua fome de liberdade está sendo alimentada assim, com rodinhas nos pés.
    Eu ainda estou ceifando, cortando, extirpando de mim o que me envenena. Depois, vou olhar e ver o que sobra. Comer arroz doce. Perceber que tenho controle sobre muita coisa, mas não posso impedir o amor de morrer. Obrigada.

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  3. Muito bonito e profundo! Deus lhe proteja!

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  4. Claudinha,
    Se soubesse a importância desse texto no atual momento que vivo! Obrigada por expor seus textos. Assim como a leitora Priscila (acima) estou ceifando etc. Constatar esse novo broto é respirar novamente depois de muito tempo.
    Vc trm razão.
    Só um equivoco: qdo vc cita 3 coisas, acaba enumerando 4. Bobagem.
    Beijos com amor!
    Ju

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  5. Não vivo mais sem o seu blog. Se vira ;))

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  6. Meu Deus!!! Que texto é esse?!?!?!? Simplesmente PERFEITO!!! Principalmente pro momento que estou vivendo: de transformação. Deixando de ser quem eu era, pra ser quem eu sou! Já dizia Nietzsche: "torna-te quem tu és". E é mais ou menos isso!;) Ando arrancando as folhas secas, podando a árvore e esperando os novos frutos... É uma fase dolorida, mas é valiosa!!! Parabéns e obrigada pelo texto!!! =)

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  7. Uma das coisas mais lindas e sensíveis que eu já li!
    Lu

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  8. Parabéns !! Muito sensível !

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  9. Parabéns pelo assunto do nascer outra vez. Massa! Utilizei sua imagem do broto em uma postagem minha. Porém, compartilharei o seu texto. Um abraço!

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    1. Legal, Wilson, bom te conhecer ;) Manda o link da sua postagem. Bjs

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