(continuação do post anterior: LEGOLAND)
Ontem conversei com uma amiga que me confessava uma vantagem em ser lésbica:
Ontem conversei com uma amiga que me confessava uma vantagem em ser lésbica:
-Não existe ciúmes. Eu, minha esposa, e todas as nossas ex-namoradas somos amigas e saímos sempre juntas. Entre nós não existe isso de "problemas com a ex" porque a ex dela, veja só, é a minha melhor amiga. Não é perfeito isso?
Eu ri e falei que era bobagem, que aquilo é uma civilidade natural entre as duas e não, necessariamente, uma característica da condição sexual delas. Ela insistiu e disse que não, que aquela era, sim, uma característica maravilhosa das mulheres lésbicas.
Convencida e entusiasmada, eu falei:
-Puxa, que legal! Ahhhhh, eu quero ser lésbica também. Será que dá tempo?
-Impossível, Claudinha. Não conheço ninguém menos lésbica do que você.
Putz, verdade, também sinto isso. Não existe uma gota de masculinidade correndo nas minhas veias. Não que eu seja perua, afetada e nem fofa, nada disso, mas sou excessivamente feminina na minha essência.
Sempre desconfiei que o meu ânimus era gay.
Sempre desconfiei que o meu ânimus era gay.
História ilustrada sobre o meu encontro com o ânimus:
Eu estava no primeiro ano de casamento e morava em São Paulo. Uma dia fui abastecer o carro e me apaixonei perdidamente por um pequeno jardim que havia no posto de gasolina. Tão alegre, tão delicado, tão provençal... nada a ver com a paisagem que o envolvia. Fiquei inexplicavelmente encantada pelo jardim (veja bem, nunca dei bola para plantas). Desci do carro e fui investigar quem havia feito o serviço. Descobri o telefone do jardineiro com uma lojista e liguei para o cara no mesmo dia.
Tudo bem que eu morava num apartamento pequeno, mas, ah, e daí?? Eu também poderia contratar um jardineiro, não é?!
No telefone eu disse que precisava de alguém para arrumar minhas floreiras e ele explicou que, antes de pensar num projeto, precisava me conhecer. Pegou o meu endereço e prometeu ir à minha casa de tarde.
Ele tinha, indiscutivelmente, uma voz gay ao telefone. Fiz então um bolo e esperei pelo meu jardineiro gay que queria me conhecer. Oba!
Quando a campainha tocou.... putz, pensa num cara lindo? Era ele. Bronzeado, musculoso, estiloso (uma coisa meio Paulo Zulu rural) e um belo rosto. Pazinhas e rastelinhos aparecendo nos bolsos da mochila cáqui à tiracolo. Um charme.
Conversamos a tarde inteira e ele topou fazer o serviço, mas tinha que ser rápido já que no fim do mês ele iria se mudar da cidade porque, segundo ele, iria "se casar com uma pessoa".
Gay.
O serviço ficou lindo e a minha varanda, agora, era a mais bonita do bairro.
Três anos depois...
Eu estava separada e deprimida, embora a minha varanda ainda fosse bela.
Um dia eu estava sentada nela, triste, lamentando a destruição das casas ao lado que foram demolidas para a construção de um prédio. No meio do enorme terreno que se formou abaixo, sobrou apenas uma jabuticabeira. Eu olhava para a jabuticabeira, prevendo o seu triste fim, quando um homem no terreno me acenou e gritou:
-Claudia, tá linda a sua varanda. Você tá de parabéns!!!
Era o meu jardineiro. Ele, coincidentemente, foi até o lugar resgatar a jabuticabeira e olhava para a minha varanda, admirando o serviço que havia feito.
Subiu no meu apartamento, tomou um suco comigo e conversamos. Eu tinha largado do meu marido e ele largou da "pessoa". Estávamos, os dois, solteiros e solitários. Ficamos amigos.
Mas, olha, entenda, não ficamos apenas amigos, ficamos inseparáveis. Além de jardineiro o cara era fotógrafo e me levava para todos os cantos com ele: estúdios, reunião com lindas modelos, laboratórios de revelação, feira de plantas, CEASA, loja de papéis especiais... eu passava o dia inteiro ao seu lado e almoçava na casa dele sempre que não tinha natação na hora do almoço.
-Claudia, você gosta de pastel de quê?
-Ah, nem sei, acho que de carne.
No dia seguinte a empregada dele fazia pastel de carne. Só para mim. Ele era vegetariano.
-Claudia você sabe fazer pão? Não??? Vou te ensinar.
E comíamos o pão de noite.
Passados uns meses, ele me perguntou:
-A que horas os passarinhos começam a cantar no seu apartamento?
-Putz, nunca ouvi. Acho que nem tem passarinhos por lá.
-Tem sim. Passarinhos cantam em todo lugar. Vou dormir na sua casa e descobrir o horário. Os passarinhos sempre cantam uma hora antes do Sol raiar e, se a gente ouvir eles, dá tempo de tomar um café e chegar aonde eu quero te levar.
Ele dormiu (no sofá cama!), ouviu os benditos passarinhos, e me levou para ver o sol nascer num lugar mágico em São Paulo: em cima da estação Sumaré do metrô, onde há um jardim encantado (criado e mantido por taxistas) e um sol que nasce num horizonte incrível. Desde então passamos a ir sempre lá.
Ouvir os passarinhos e ver o sol nascer era importante para nós. Durante estes momentos ele segurava na minha mão e ficava em silêncio.
E o jardineiro virou o meu tutor, meu guru: "Claudia, compre estes lápis de cor, desenhe, deite aqui e durma um pouco, você está cansada, ouça esta música, leia este livro, pegue a lupa e veja o lindo formato destes líquens, compre esta orquídea para a sua varanda, passe a mão deste musgo e sinta a maciez".
Durante um ano inteiro o cara cuidou de mim. É claro que eu, vez ou outra, me envolvi com outros homens, mas ele sempre fazia questão absoluta de conhecê-los. E, engraçado, se divertia com eles e gostava de todos.
Um dia eu reclamei:
-Você passa o dia todo com uma máquina na mão registrando tudo. Até a minha mãe você já fotografou, mas nunca virou as suas lentes para mim. Por quê?
Ele respondeu:
-Claudia, você é linda e eu poderia passar a vida te fotografando, mas eu corria o risco de me apaixonar por você, e a minha função na sua vida não é essa.
-Ah, tá, se é assim então tá bom.
Nesta época eu já tinha conhecido o meu atual marido e o jardineiro, lentamente, saiu da minha vida. No último dia em que eu o vi ele me deu essas duas fotos acima: o passarinho que nasceu na samambaia da varanda e a flor amarela da minha floreira (agora me diz: existe ilustração melhor do que esta última foto para a ânima e o ânimus?).
Abaixo das fotos havia apenas a frase abaixo, escrita com a sua letra rebuscada de artista:
E foi assim que meu ânimus, salvando uma jabuticabeira perdida no meio de destroços, entrou na minha vida e me resgatou da depressão, me ensinando coisas que eu faço, religiosamente, até hoje:
- Preste atenção aos pássaros.
- Acorde cedo e veja o sol nascer.
- Faça pão.
- Pense no que você deseja e... realize!
- Pegue uma lupa e perceba que o milagre está nos detalhes. Não veja a sua vida de fora! Mergulhe nela e maravilhe-se com as pequenas coisas.
- Não precisa ser atraente e nem sexy para ser encantadora. Você não precisa ser fotografada. Não se preocupe com isso!
E o final dessa linda história é que o cara sumiu e eu, engraçado, nunca perguntei o sobrenome dele. Nem o telefone atual. Desapareceu como um fantasma. Puf....
Sei que ele nunca vai ler esta homenagem, mas gostaria de dizer que lhe sou eternamente grata por tudo.
Bom, este foi o encontro com o meu ânimus gay, que, detalhe, nunca foi gay!! Mas isso é uma outra história.
Amanhã eu termino e explico porque eu comecei com esse papo de ânimus.