Fui sim, bem depois de me formar como psicóloga.
A única coisa realmente perfeita que eu consegui fazer na vida é dar aulas para crianças de 3 anos. Modéstia à parte eu era boa e contava histórias com alegria e talento.
Uma que eu adorava contar era da Ariel, a Pequena Sereia, porque na escola em que eu trabalhava havia um aquário gigante que virava o cenário perfeito para histórias no mar.
Contava sempre. Mas contava a versão da Disney que é fofa e alegre.
Contava sempre. Mas contava a versão da Disney que é fofa e alegre.
Um dia, no final da história, uma aluninha perguntou:
-E o que aconteceu com as avós dela?
-Avós?? Que avós? (não tem avó nenhuma na história... não era a Chapeuzinho Vermelho!!)
E todas as crianças tentaram me explicar:
-Ela trocou as pernas pelas avós.
-A bruxa do mar ficou com as avós dela.
-Ela deu as avós para poder ter pernas e casar com o príncipe.
Me segurei para não rir:
-Ahhhhhh.... a VOZ!!! Ela trocou as pernas pela voz, não avós!!
Superestimamos o vocabulário das crianças de 3 anos.
Tadinhas, ficaram o ano inteiro visualizando em silêncio a Pequena Sereia entregando as vovós sereias para uma bruxa má só para conseguir suas perninhas.
Um verdadeiro pesadelo freudiano!E isso me deu matéria prima para reflexões.
Tudo bem, Ariel não entrou com suas avós no escambo com a bruxa para garantir sua ida à terra firme, mas entregou a sua própria voz, o que dependendo do ponto de vista pode ser até pior.
E se não fosse a voz, ela teria entrado com outra coisa importante.
Sim, porque para abandonar nosso habitat natural e ousar perder nossa identidade para casar com alguém temos que fazer um sacrifício. Sempre algo é sacrificado porque a decisão é grande, radical, não dá para ser coisa pouca.
Prá começar Ariel salvou o príncipe do afogamento. Já começou sendo heroína (tenho raiva de quem diz que só a Fiona, do Shrek, é guerreira e ativa!!).
Depois, quando decidiu correr atrás do cara, perdeu sua identidade de seria, abandonou definitivamente sua família, seu ambiente marítimo, e prá complicar ainda deu sua linda voz para a bruxa do mar. E na história original de Andersen suas novas pernas sangravam e doiam!
Mas foi uma escolha, e tendo consciência disso ela assinou o contrato com a malvada. Meio no susto, mas as coisas são assim. Não dá mesmo para pensar em todas as consequências de todas as nossas escolhas.
Sebastião, a lagosta afro-descendente, bem que tentou convencê-la do contrário no início da fofíssima música "Under The Sea":
Ariel, listen to me
The human world, it's a mess.
Life under the sea
is better than anything they got up there.
Temos também muitos "Sebastiões" que tentam nos persuadir a não sair do lugar. Com as melhores intenções, na maior boa vontade, procuram mostrar que estamos muito bem em nosso habitat natural. Mas somos ousados e passamos por cima do bom senso das lagostas.
E qual é o preço que pagamos para casar? Perder a identidade de solteiro, perder a liberdade que esta condição permite, perder a privacidade, perder a segurança da casa dos pais, abrir mão da nossa cultura familiar garantida.
Isso tudo é o preço básico. É o normal.
Mas acontece que as vezes temos que dar mais do que isso. As vezes o preço é inflacionado com taxas extras.
Ariel saiu do meio aquático e foi para o terrestre. As vezes saímos do meio rico e vamos para o pobre, do rural para o urbano, as vezes saímos de uma família alegre e carinhosa e nos deparamos com uma nova família fria e distante, as vezes casamos com pessoas que realmente nos fazem perder a voz, a opinião, os amigos, o estilo de vida.
E eu vejo em consultório que o sofrimento maior é o medo de perder o afeto dos pais por ter feito uma escolha independetemente da vontade deles. A idéia de trair sua origem é aterrorizante, não é? De boicotar os planos que seus pais fizeram para você. A culpa por não pertencer mais àquele meio é um preço bem alto, mesmo que seja só fantasiosa.
Mas na história da Ariel tudo ficou mais fácil depois que o príncipe se apaixona por ela e faz com que sua voz magicamente volte. E sua identidade de sereia aparece também de vez em quando possibilitando o regresso ao mar para visitar a família, o peixinho Linguado e seu amigo Sebastião.
E, o melhor de tudo: o mar inteiro a recebe de braços abertos!
Happy End.
Adoro a Disney!! A história original é terrível e baixo astral.
Gosto desta metófora:
Quando existe amor é possível todos terem voz.
Quando existe amor é possível que sua identidade, por mais bizarra que seja, continue existindo e sendo respeitada em outras culturas, outros ambientes.
Com amor, a transformação não precisa ser trágica e dramática. Dá para conciliar tudo. Não precisamos abrir mão de quem somos só porque nos casamos.
Que bom!
Em breve haverá na Inglaterra mais um casamento real.
Qual será o preço que Kate Middleton pagará para se casar com o seu príncipe? Quantas avós britânicas terão que ser sacrificadas para garantir um lugar ao lado de William?
E qual será a bruxa? A mídia? Mais uma vez?
Sensacional!
ResponderExcluirAmei! A foto da vo sereia esta ate parecida comigo.Climene
ResponderExcluir