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quarta-feira, 9 de março de 2011

Eu Odeio o Jogo do Contente!!

Sabem quem é Pollyana? Sim, aquela loirinha dos livros infanto-juvenis: "Pollyana" e "Pollyana Moça".
Argh! Detesto.

Antes de ser órfã, a menina aprendeu com o pai um jogo muito cretino chamado Jogo do Contente.
No Natal ela queria muito ganhar uma boneca e quando abriu o presente que seu pai lhe deu, adivinhem? Um par de muletas!!!!
E sabe qual era o "presente"? Perceber que ela NÃO precisava das muletas e agradecer todos os dias por isso.
Dãã...


E a partir daí Pollyana cresceu vendo o lado positivo de tudo. Ficou órfã, sofreu horrores e só via o lado legal de todas as situações que enfrentava. Com o tempo começou a contagiar as pessoas com seu deslumbre insandecido pelo lado iluminado da vida e melhorou a situação de todos ao seu redor.
Um dia ela caiu e ficou paraplégica.
Finalmente ia precisar das muletas!!! Pollyana ficou deprimida, achando que estava tudo errado, que ela nunca mais seria feliz, mas foi ajudada pelas pessoas que tinham sido beneficiadas pelo seu Jogo do Contente. Um médico apareceu na história e magicamente a salvou da paralisia, casou-se com sua tia ruim e amarga e todos viveram felizes para sempre.

E o famigerado Jogo do Contente nos acompanha aonde quer que derramamos uma lágrima ou tecemos alguma reclamação da vida.
Passei a vida sendo obrigada a agradecer, quando tudo o que eu queria era lamentar. E não fui a única! Todos os pais sempre dizem: "Você tem uma família que te ama, tem uma casa linda, tem saúde, é bonita, tem amigos, nunca faltou nada para você... você não tem do que reclamar, minha filha!!"

Mas os pais não entendem que o buraco existe e nunca é preenchido. Nunca. A falta profunda, sangrenta e inevitável acompanha nossa existência e, às vezes, nos faz chorar muito.
Mas depois passa.
E a minha teoria é que, se não temos o direito de chorarmos pelo buraco ele se torna cada dia maior e vira um enorme buraco negro nos sugando em aspectos bizarros e estranhos.
E aí pessoas ricas e lindas se matam misteriosamente em Hollywood.

O problema é que esta falta é tão vaga e incompreensível que não conseguimos dar um nome para a ela. E aí chamamos a falta de qualquer coisa: amigos, namorado, nariz bonito, corpo magro, curso superior, carro novo ou bolsa Louis Vuitton.

E quando a gente tem tudo isso? Somos belas, ricas, temos sucesso, família, ótimo marido, saúde... como vamos justificar a falta? Quem compreenderia que uma pessoa dessas também pode chorar e reclamar da vida, como os rebeldes do Ultraje a Rigor?

Um Rebelde sem Causa (Roger Moreira)
Meus dois pais me tratam muito bem
(O que é que você tem que não fala com ninguém?)
Meus dois pais me dão muito carinho
(Então porque você se sente sempre tão sozinho?)
Meus dois pais me compreendem totalmente
(Como é que cê se sente, desabafa aqui com a gente!)
Meus dois pais me dão apoio moral
(Não dá pra ser legal, só pode ficar mal!)
(...)
Meus pais não querem
Que eu fique legal
Meus pais não querem
Que eu seja um cara normal.

Por isso digo: por mais difícil que seja, permita que seus filhos chorem porque eles não tem todos os inimigos do Max Steel ou deseja desesperadamente sua vigésima oitava Barbie.
Suporte seu choro concordando que é realmente muito triste a gente não ter tudo o que quer na vida.
Importantíssimo: isso é MUITO diferente de comprar tudo o que ele deseja!
Não tentem preencher o vazio,
Apenas aceitem que ele existe e é triste.

Mas, por favor, não venham com aquele papo de que tem crianças sem brinquedos, que tem gente passando fome, tem meninos dormindo na rua, de que ele tem uma casa, tem comida na geladeira, tem brinquedos. Detesto esta história!!
Odeio o Jogo do Contente!!
Isso tudo é verdade? Sim!
Isso é útil no momento da tristeza? Não!!!!
Só faz brotar a culpa (por ele ser cruel chorando por um brinquedo quando todos passam fome), a vergonha (por ser tão egoista e mau) e a raiva por ñinguém querer ouvir o seu choro e entender sua falta insuportável e dolorida.

Uma garotinha conhecida minha que não queria comer todo o almoço, ouviu da mãe:
-Lá na África (ela nem precisava ir tão longe!) tem crianças passando fome porque não tem o que comer.
-Mas se eu comer tudo elas vão deixar de passar fome?
- .........não.
-Então não quero.

haha, adorei o raciocínio!

É claro que sempre vai ter gente numa situação pior do que a nossa!!
É óbvio que ter a consciência disso é importantíssimo.
Mas tudo isso não pode evitar que o meu choro também exista e seja igualmente doído e inconsolávell.
E deve ser respeitado, por mais fútil e imbecil que possa parecer.

E é por isso que pessoas ricas sofrem horrores.
E é por isso que eu não sou rica.
Choro copiosamente por uma cozinha planejada que eu não tenho, por um carro novo, por roupas que não sejam compradas com o cartão C&A, por um Wi Fi que não posso dar aos meus filhos...
E adoro chorar pelas minhas faltas!!

Depois passa.

E volto a achar um charme minha cortininha embaixo da pia cobrindo as tábuas cheias de panelas e pratos. Vamos todos jogar Playstation e viver felizes, com nossos buracos devidamente lamentados e homenageados.





10 comentários:

  1. Também odeio ouvir "pelo menos...".
    Por favor, se um dia me verem infeliz com alguma coisa nessa vida, não me venham com "pelo menos".
    Ou com o tal "Deus sabe o que faz minha filha", rsrsrs. É que as vezes as pessoas não sabem o que falar quando vêem alguém com algum problema, querem apenas consolar, aliviar. Mas o jogo de tentar fazer a vítima se sentir culpada por tere outras pessoas em situação pior é bizarra mesmo...

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  2. Cláudia, talento é para ser usado e compartilhado!!
    estou adorando...
    é bom sentir vc perto.
    beijos,
    Tiemi

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  3. Tiemi querida! Não sabia que vc andava por aqui. Me esqueci de mencionar você como minha madrinha de blog, haha. Você foi a primeira! Estou com saudades de vc. Taí, vou tentar te ligar. Bjs

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  4. Putz, con permiso, mas esse vou dar um ctl+c ctl+v e mandar pra alguém...
    Depois pago pelo uso da patente!
    Parabéns de novo e sempre, minha loira, faço das palavras da Tiemi as minhas.
    Muáá! Te beijo!!!!

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  5. nossa eu concordo quase que plenamente...nunca consegui ler o livro todo desde criança!!!porque me irritava a felicidade dela com o nada rsrs

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  6. Um tanto quanto histérico, não...
    E bastante materialista eu diria... tvz o argumento a ser utilizado qdo se educa uma criança precise ser mais inteligente e menos hipócrita, mas sem duvida os choros birrentos por conta de bobagens devem ser reprimidos sim.
    E quanto ao vazio, vigilância e oração costumam ajudar bastante!! Buscar um sentido pra vida, sabe como é??

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  7. posso divulgar esse texto em uma comunidade de gravidez?? com as fontes claro

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  8. E a continuação desta história está no post "A loirinha nada burra", aqui no blog, acho que no mês passado.

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