Outro dia teve uma reunião na casa da Lu e ela encheu a sala de amigas.
A encrenca de chamar amigas muito próximas e antigas para ir à sua casa é que ela tem que estar necessariamente vazia, porque as bobagens faladas são muitas e o tom das gargalhadas chega a ser patológico. Poucos maridos e filhos suportam.
Eu estava doente e cansada e logo que cheguei já fui ensaiando uma maneira de ir embora, mas tudo mudou nos primeiros cinco minutos quando a dona da casa, parece que adivinhando a minha intenção de sair, jogou a isca:
-Alguém aí disse fofoca? |
Touché!
Um belo golpe de mestre para entreter a plateia. Minhas orelhas se arrebitaram como um doberman em vigília. A preguiça sumiu.
Papo vai, papo vem, e, felizmente, outra amiga traz de volta a história:
-Luciana, conta logo o que você tinha de incrível para contar.
-Ai geeeeeeeente - rindo muito e já altinha por causa do tinto - acho que eu ainda não tenho coragem.
Precisa de coragem?
Ueba, meus assuntos prediletos.
E se ela está rindo deve ser algo divertido, mas, puxa, esse papinho de coragem era chato demais!
Abusando da minha intimidade com o grupo fui logo dizendo que eu não gosto de suspense, que esse tipo de brincadeira me cansa e que prá piorar eu não bebo, portanto ela podia já contar a história inteira porque eu, diferente das outras que estavam ficando alegres, não teria humor para esperar até o fim da noite.
-Claudinha, não é nada comigo. É com uma amiga minha. Ela começou a namorar um cara, e este cara faz com ela uma coisa estranha que eu nunca tinha ouvido falar, mas que ela está amando!
-E o que ele faz?
-Ai, tenho vergonha de dizer. Só vou dar uma dica: o cara é VE-TE-RI-NÁ-RI-OOOOOOOOO!!!
Curto circuito no meu cérebro.
Veterinário? E daí? Desde quando a profissão de um homem determina a performance dele no romance. Existe isso?
Meus olhinhos reviraram todo o cardápio de fetiches e, horror, dentro da veterinária eu e as minhas amigas só conseguíamos pensar em zoofilia. Mas será que alguém que habita a vida real aprecia este tipo de coisa? Puxa, esta seria certamente uma história incrível. Um submundo estava naquele momento se abrindo diante de mim.
-Cachorros? Cavalos? Hum... cobras?
-Credo Claudinha!! Não! Eca, não é nada disso.
-Caramba, o que é então?
-Ai, ainda não consigo falar.
Pfffffff.
Fofoqueiras pudicas são a pior raça do mundo porque contam as safadezas em doses homeopáticas e enlouquecem curiosos como eu. E... ei, peraí será que essa conversa de "tenho uma amiga que faz isso e aquilo" não é, na verdade, um receio de confessar as suas próprias histórias? Tenho um amigo que ficou com uma cenoura presa não sei onde. Tenho uma amiga que está com verrugas lá embaixo...
Não, ela jurou que a amiga existe e citou até nome e sobrenome.
Nunca tive atração por veterinários e jamais pensei que isso fosse minimamente viável. Aliás naquele momento eu me dei conta que tudo o que eu mais detestaria no mundo é me relacionar com um deles. Claro que eu estou falando aqui de veterinários lidam com bichos. Sei que tem uns que fazem pesquisas e esses até que devem ser gente normal, mas veterinários que atendem animais domésticos cheiram a ração. E os que lidam com os silvestres devem trazer para casa aquele cheiro típico dos zoológicos.
Eu tive um amigo que tinha nojo de um colega de república que era médico. Não deixava o cara sentar em qualquer lugar da casa enquanto ele não tirasse a roupa branca do trabalho. Eu ria da sandice dele e é claro que achava ridículo porque acho médicos limpos e cheirosos, mas, com toda a certeza, eu teria nojinho de morar com um veterinário. Imagina se ele chega da clínica e já deita no sofá? Recolhe no almoço um grão de arroz que caiu na calça e.... come!
Sim, sou dessas que lava as mãos depois de acariciar um gato. Me julguem.
Mas essa dica da Lu me fez acreditar que talvez eu tenha perdido algo de importante não conhecendo os veterinários. Talvez eles tenham cartas na manga que uma pessoa rasa e fresca como eu nunca tenha percebido. Será? Será que isso existe? O que, meu deus, o que poderia ser? Comecei a testar as minhas ideias:
-Senta. |
-Não Claudinha.
Ufa, porque se fosse algo assim eu também teria vergonha de confessar e passar adiante a história.
-Ele faz cafuné na nuca. Tapinhas!!! Ele dá tapinhas no bumbum.
Nada.
Arrisquei algo mais sensual:
-Banho e tosa! Ele faz a tosa dos pelos dela com aquela maquininha. Dá banho. Passa talco...
Não.
Elevei o nível erótico da minha imaginação:
-Chama de cadela. Vestem coleiras e guias. Ela toma champagne de quatro numa tigelinha cor de rosa no chão. Ele manda ela deitar, sentar e rolar.
Não? Mais safado ainda?
Ok, vamos lá.
-Ele mede a febre dela nos padrões veterinários.
Eu sei ser imaginativa de vez em quando.
-Claudinha não é termômetro, mas ele enfia alguma coisa dentro dela.
-Um osso? Um mordedor que assobia!
-Não consigo dizer. Eu tenho vergonhaaaaa!
-Biscoitos... caninos?
Bom, a essa altura eu já tinha viajando tanto nas possibilidades dos pet shops da vida (quem precisa de sex shop depois disso?) que comecei a desconfiar que nada é mais sexy do que um veterinário.
E naquele momento me deu uma vontade louca de ir para casa e escrever um livro sobre todos os fetiches envolvendo as profissões. Ia ser um best seller! Poderíamos pressupor a vida sexual de uma mulher só pela profissão do cara com quem ela sai.
Gente ele é EN-GE-NHEI-RO-CI-VIIIIL!!!! Mesa de desenho, o banquinho alto e giratório da mesa de desenho, obras, mestre de obras, toda a equipe da obra, capacetes...
Amiga, o Junior é DEN-TIS-TAAAA!! Hálito fresco, luvas de latex, cadeira com botõezinhos que inclina, jato de água fresca e ar, espelhos ultra bem colocados...
Conheci um A-GRÔ-NO-MOOOO!!! Cama de feno, paiol, cerca de arame, cafezal, plantação de algodão...
O Caio é DE-SE-NHIS-TAAAAA! Já penso no cara desenhando a moça nua, como um Leonardo DiCaprio dentro do Titanic. Mas, ó, se não quiser me desenhar não tem problema não. Cheiro de lápis de cor novos já me deixa bem feliz.
Tô saindo com um JOR-NA-LIS-TAAAAA!!! ............ cri-cri-cri.... nada de erótico brota do jornalismo. Noites em claro?
Talvez os fetiches são inversamente proporcionais à intelectualidade.
No fim da noite enquanto a gente se arrumava para ir embora ela contou e eu morri de achar graça porque não tinha nada a ver com a profissão do cara. Trilhei uma ladainha chata e demorada de fetiches veterinários e, no entanto, o ofício do rapaz era totalmente irrelevante. A Lu era tão inocente que jurava que aquilo era coisa exclusiva de veterinários, uma vez que nunca ouviu falar de algo assim.
Desmontei o castelo de mistérios construído no decorrer da noite afirmando que qualquer zé mané faz aquilo e que ninguém precisa ser veterinário para dar conta de algo tão simplório.
Resumo da ópera: nenhuma mulher precisa correr o risco de se relacionar com um veterinário para ter algum benefício nisso. Melhor manter os sofás limpos e a casa cheirosa.